Num momento de crescente pressão pública por investimentos em saúde, educação e infraestrutura, a Prefeitura de São Paulo alocou mais de R$ 136 milhões em publicidade institucional durante o primeiro semestre de 2024.
Documentos obtidos pela Revista Timeline, por meio do site Dados Abertos, da própria Prefeitura de São Paulo, revelam que uma parte significativa desse montante foi direcionada a conglomerados de mídia como a TV Globo e a Record, levantando questões sobre as prioridades da administração e a real necessidade desse nível de gasto publicitário.
Uma análise detalhada dos relatórios de gastos públicos, obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação, aponta que o grupo Globo foi o maior beneficiário dos recursos de publicidade, recebendo mais de R$ 19,5 milhões.
A Record e o SBT também estão entre os principais destinatários das verbas. A emissora do Bispo Edir Macedo levou R$ 9,2 milhões. O canal fundado por Silvio Santos embolsou R$ 5,6 milhões.
Especialistas que preferem que seus nomes completos não sejam revelados, por medo de represálias, questionam se esses gastos são justificáveis.
“O valor é desproporcional, considerando que as campanhas promovidas não geraram impacto proporcional na imagem da cidade e, em muitos casos, foram amplamente criticadas por sua falta de clareza e pertinência”, afirma Ana, que é professora.
Flow Podcast também embolsou verba da Prefeitura de São Paulo
O relatório também expõe que mais de R$ 400 mil foram gastos com a empresa Flow Mídia e Publicidade LTDA, operadora do popular canal de internet Flow Podcast.
Apesar do valor relativamente modesto em comparação com gigantes da mídia, o gasto chama a atenção pelo possível viés e pelo foco num público específico.
A Prefeitura apostou numa tentativa de aproximação com uma audiência mais jovem e digitalmente engajada, muitas vezes crítica das instituições públicas.
Pela descrição oficial, a campanha da Prefeitura teve vídeos publicitários exibidos nos principais portais de mídia digital. A questão é: será que o Flow – comumente associado a conteúdos de entretenimento e entrevistas – é realmente o canal mais apropriado para promover políticas públicas?
Foi esse canal, aliás, que realizou o controverso debate entre os candidatos a prefeito da capital paulista do qual Pablo Marçal foi expulso.
Mais preocupante ainda é o contexto em que esses gastos ocorrem. A capital paulista enfrenta uma série de crises: filas nos hospitais públicos, colapso de várias escolas municipais, afetando o atendimento de milhares de alunos, criminalidade… Em bairros periféricos, onde serviços essenciais estão ausentes, ou não são suficientes, ou têm baixa qualidade, a indignação cresce.
“Enquanto nosso posto de saúde está sem médicos e equipamentos básicos, a Prefeitura gasta milhões em propagandas que não têm impacto na nossa vida”, diz Márcia*, moradora de São Mateus, zona leste da cidade.
Essa disparidade de investimentos levanta a questão sobre a real finalidade desses contratos publicitários. Teriam essas campanhas objetivo de promover a gestão atual ou até mesmo preparar terreno para futuras candidaturas?
Em resposta, a Prefeitura alegou que as campanhas têm como foco “incentivar o turismo, promover a vacinação e informar a população sobre serviços públicos”.
No entanto, críticos apontam a ausência de critérios objetivos para medir a efetividade dessas campanhas e a concentração de recursos em poucos veículos, o que pode indicar uma relação de troca de favores.
“Quando a administração gasta mais com publicidade do que com o atendimento à população mais vulnerável, é preciso parar e refletir sobre quais são suas verdadeiras prioridades”, diz Alberto*, analista.
Em meio ao crescente descontentamento, o Tribunal de Contas do Município de São Paulo tem o dever de abrir uma auditoria para revisar os contratos publicitários da administração. Se forem encontradas irregularidades ou indícios de uso eleitoral, as consequências podem ser severas.
Com um cenário de deterioração dos serviços essenciais e a escalada de gastos considerados supérfluos, os moradores de São Paulo se perguntam: a quem realmente servem essas campanhas publicitárias milionárias?